quinta-feira, 28 de maio de 2020

KARMA E DHARMA


A teoria completa da reencarnação também deve abrigar o conteúdo da memória reencarnatória, bem como determinados envolvimentos de causa e efeito que possam ocorrer entre duas encarnações díspares.

A memória reencarnatória é fácil de compreender, pois presumimos que existe uma janela não local que está sempre aberta entre reencarnações. Normalmente, não temos consciência dela mas, no momento da morte, quando o apego ao ego fica extremamente reduzido, podemos ficar particularmente cientes dessa janela não local e ter uma visão panorâmica de nós mesmos ao longo de diversas existências.

Do mesmo modo, no momento do nascimento, como o apego ao ego ainda não se formou, a abertura da janela não local pode permitir que uma experiência panorâmica das encarnações fique armazenada na memória do recém-nascido. Existem muitas informações para apoiar esta teoria.

Em experiências de quase-morte, muitas pessoas descrevem, de modo explícito, uma visão panorâmica desta vida e, às vezes, até de vidas passadas. Do mesmo modo, embora ninguém se lembre imediatamente do momento do nascimento, com o uso de técnicas especiais estas memórias foram evocadas e são consistentes com a visão panorâmica de vidas passadas. Grof usa a técnica de respiração holotrópica para regressão ao nascimento ou mesmo antes do nascimento. Muitos de seus pacientes se lembram de dados reencarnatórios. Já mencionei os terapeutas de regressão a vidas passadas. Eles também acham correto regressar seus pacientes ao início da infância para extrair memórias de vidas passadas.

Como ocorre um envolvimento de causa e efeito entre duas pessoas que continuam unidas entre esta encarnação e a seguinte? Se duas pessoas estão correlacionadas por meio da não localidade quântica e uma delas causa o colapso de um evento e o experimenta, um evento correlacionado de colapso torna-se uma certeza para o parceiro envolvido, exceto que o momento exato do colapso desse evento não precisa ser especificado. Pode ocorrer em qualquer momento no futuro, mesmo que o futuro seja na próxima encarnação. Essa é a natureza da não localidade quântica. Deste modo, uma causa nesta vida pode se propagar não localmente para a próxima vida, precipitando um efeito não local. Os teosofistas usam a palavra sânscrita karma para denotar essas conexões não locais de causa e efeito entre encarnações.

No entanto, há essas propensões mentais e vitais que também são efeitos que levamos de uma vida para outra. Chamei essas propensões de karma em um trabalho anterior, embora a palavra sânscrita samskaras também seja usada para essa transmigração em particular.

Há uma terceira conotação que pode ser dada à palavra karma. Há o repertório de contextos supramentais que aprendemos para viver; são levados conosco de um nascimento para outro. São o que os teosofistas chamam mente superior e também é algo que se propaga de uma vida para outra; portanto, pode ser chamado karma.

Definido desse modo, o karma abrange tudo que transmigra de uma vida para as seguintes. Dessa forma, podemos falar de karma acumulado ao longo de muitas vidas até a presente. É claro que podemos falar de karma futuro, que se refere ao karma que formamos na vida presente.

Entretanto, a literatura oriental sobre reencarnação inclui mais um conceito relacionado ao karma – o karma ambiente (prarabdha, em sânscrito), o karma que frutifica nesta vida. Prarabdha é a porção do karma passado responsável por nosso corpo atual. A ideia é que não levamos todas as propensões de nosso karma acumulado para a vida que estamos vivendo agora, e sim um número selecionado de karmas. A surpresa das surpresas é que esta ideia foi confirmada por dados empíricos graças à pesquisa de um terapeuta de vidas passadas, chamado David Cliness. Ele estudou inúmeros pacientes que se recordam de diversas vidas passadas. Curiosamente, descobriu que as pessoas não trazem para a vida atual todos os contextos e propensões adquiridos previamente nestas vidas anteriores. Ele usou a linguagem do jogo de pôquer para descrever a situação; é como se a pessoa jogasse este jogo com as propensões e contextos adquiridos e escolhesse cinco cartas do baralho, onde 52 estão disponíveis.

Podemos teorizar. Por que traríamos uma seleção específica de karma ambiente? Porque queremos nos concentrar em uma agenda específica de aprendizado para esta vida. Essa agenda de aprendizado tem o nome de outra palavra sânscrita, dharma (grafada com “d” minúsculo para diferenciá-la da palavra Dharma com “d” maiúsculo, que denota o Todo, o Tao).

Essa ideia da vida como a realização de uma agenda de aprendizado pode fazer lembrar o maravilhoso filme O feitiço do tempo [Groundhog day], no qual o herói reencarna (por assim dizer) entre uma vida e outra com uma agenda de aprendizado simples, mas muito importante – o amor.

Mais uma coisa que posso dizer sobre o dharma: quando cumprimos a agenda de aprendizado que trouxemos para esta vida, a vida se torna cheia de êxtase. Se, pelo contrário, encontramos êxtase na vida, podemos concluir que estamos cumprindo nosso dharma. O mitologista Joseph Campbell costumava dizer: “Siga sua felicidade”. Ele sabia.


Amit Goswami



Fonte: do livro "DEUS NÃO ESTÁ MORTO"
Tradução de Marcello Borges
Ed. Goya, SP
www.editoragoya.com.br
Fonte da Gravura: https://www.shutterstock.com/image-vector/karma

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