Além de nos ensinar a valorizar nossas doenças, as parábolas de Chuang Tsé nos dizem que, para desenvolver nosso pleno potencial, precisamos nos tornar inúteis para o mundo. Caso contrário, viveremos vidas amargas e insatisfeitas, maltratados e despojados de partes preciosas da nossa personalidade. A seu modo exagerado, Chuang Tsé está nos dizendo para vivermos como seres individuais.
Jung também enfatizou a importância de vivermos a singularidade da nossa vida. O elemento-chave no processo de individuação é o desenvolvimento da personalidade própria enquanto oposta à vida na coletividade. Jung sentia uma inquietação específica a respeito da situação crítica do indivíduo na sociedade moderna; pois observou que, no instante em que o indivíduo se associa à massa, sua singularidade é diminuída e obscurecida.
Como Jolande Jacobi indicou em The Way of lndividuation [O Caminho da Individuação]:
E demasiado grande o número de pessoas que não vivem suas próprias vidas e geralmente quase nada conhecem de sua verdadeira natureza. Elas fazem um esforço violento para "se adaptar", para não se diferenciar de nenhum modo, para fazer exatamente aquilo que as opiniões, regras, regulamentos e hábitos do ambiente exigem como sendo "o certo". Elas são escravas "daquilo que os outros pensam", "daquilo que os outros fazem" etc.
E é isso que ocorre, cada vez mais, quanto mais tentamos viver como membros médios da sociedade - casando, tendo filhos, nos estabelecendo em uma profissão estável e assim por diante. Essas normas são fatais, em especial para aqueles cujos padrões interiores se desviam tremendamente da média, como os artistas, os gênios, os padres e as freiras.
Quanto mais nos alinhamos com os nossos próprios caminhos individuais, menos somos capazes de viver estritamente segundo as normas e valores coletivos. Para realizar a nossa totalidade, é preciso que nos libertemos dos sugestionamentos da psique coletiva e do mundo à nossa volta e que estejamos dispostos a parecer inúteis ou estúpidos.
Nas palavras de Lao Tsé:
Quando o sábio superior ouve falar do Caminho, ele O percorre com muita sinceridade, Quando o sábio mediano ouve falar do Caminho, às vezes O segue, às vezes O esquece. Quando o sábio inferior ouve falar do Caminho, ele dá sonoras gargalhadas. E se ele não der sonoras gargalhadas, esse não seria o Caminho. Logo, se buscas o Caminho, segue o som das gargalhadas! (1)
Lieh Tsé levou ainda mais longe a ideia de ser inútil, sugerindo que nos abstenhamos de sacrificar até mesmo um único fio de cabelo em benefício do mundo. Só assim o mundo estaria em ordem. Isso, mais uma vez, é um exagero; Lieh Tsé não quis dizer que devemos abandonar o mundo e nos tornar eremitas. O verdadeiro sábio tem como meta seguir sua própria natureza no mundo.
Nas palavras de Chuang Tsé:
Só o homem perfeito pode transcender os limites do humano e, ainda assim, não se retirar do mundo; vive de acordo com a humanidade e, ainda assim, não prejudicar a si mesmo. Dos ensinamentos do mundo, ele nada aprende. Ele possui aquilo que o torna independente dos outros. (2)
Em outras palavras, devemos ter como meta nos tornarmos nós mesmos e trazermos para o mundo aquilo que somos.
Gary Toub
Notas:
1. Lao Tsé: Tao Te King, org. G. F. Feng e J. English (Nova York: Vintage Books, 1972), cap. 41.
2. Chuang Tsé: Chuang Tzu, trad. H. Giles (Londres: Unwin Paperbacks, 1980), págs. 263/264.
Fonte: do livro "Ao Encontro com a Sombra", Ed. Cultrix, Connie Zweig e Jeremiah Abrams (Orgs.)
Fonte da Gravura: Grev Kafi (the pseudonym of two symbolist painters, Evdokia Fidel'skaya and Grigoriy Kabachnyi, a married couple, that work in co-authorship)
http://www.grevkafi.org
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