Como podemos encontrar o silêncio no nosso dia-a-dia?
O dia-a-dia moderno tem cada vez menos momentos de silêncio e de paz, o que causa inegavelmente problemas psicossomáticos, mal solucionados depois com alimentos, consumismo e o uso e abuso de medicação. A falta de respeito da dignidade humana, a superficialidade de visão da vida e seus objetivos, o baixo nível de linguagem e ideação que tanto caracterizam a vida moderna e os seus meios de comunicação social, tal como os noticiários, programas e séries televisivas, internet – da alienação anglo-americana à portuguesa... –, têm efeitos deletérios sobretudo na juventude a qual, numa fase de aprendizagem de valores e de comportamentos, gasta e deforma aí parte da sua energia psíquica e tempo, e encontra nos topos das cadeias de sucesso exemplos (logo imitados, porque sedutoramente apresentados e facilmente absorvidos) constantes de comportamentos e verbalismos falaciosos, inconsequentes e até burlões e violentos, derivados do egoísmo insensível e das ausências de compaixão, inteligência justa e cosmovisão holística. Quem valoriza mais o silêncio não consegue suportar as vozes da maior parte dos apresentadores televisivos ou dos políticos, tão falsas ou manipuladoras, pois a sua consciência não está já insensibilizada como sucede a quem se vicia ou se habitua a noticiários e programas alienantes das televisões.
Numa sociedade cada vez mais caracterizada pelas quase infinitas trocas rápidas de informações, o discernimento diminuiu, tal como a qualidade do que se comunica, e tanto os engarrafamentos de trânsito seja na web, seja nas ruas, como os choques, quer de viaturas, opiniões, artigos, grupos e partidos conflituosos ou contraditórios, atestam o desequilíbrio da era global sem grande discernimento e assunção dos valores, e em muitos aspectos longe do salutar e do essencial e distorcendo-o, sepultando-o sob as avalanches de informações até incorretas e constantemente manipuladoras, controladoras…
A tudo isto há que contrapor e oferecer uma vida mais atenta e consciente das harmonias e desarmonias nossas e do que nos rodeia, com certas renúncias e abstenções, bem como práticas de leitura e reflexão, oração e meditação ou contemplação, e os tais momentos místicos de unidade, seja pela arte, a natureza, a árvore, a montanha, o sol, o oceano, o outro, o amado ou a amada, e ainda o Mestre, o Anjo e Deus, valorizando-se o silêncio amoroso como um dos melhores meios de realizarmos tudo isso, e de permitirmos a expansão da alma espiritual, a revelação da verdade e da vontade e essência divina, “o Reino dos Céus dentro de vós”, como Jesus dizia.
Considera que fugimos do silêncio?
Sim, tanto por hábito, como por receio e por falta de educação e de conhecimento, já que a sociedade moderna é causadora dum certo embrutecimento e insensibilidade, e é adepta da barulheira, tanto a dos tubos de escape dos aceleras como a do manuseio insensível de máquinas e objetos, tanto a da música aos altos berros, seja a dos carros que vão pela rua ou a que sai de algumas janelas, como a que na noite dos bares vai destruindo insidiosamente neurônios, canais auditivos e insensibilizando as pessoas.
O silêncio deixa de ser percebido e acolhido ainda pelo ruído do filme de pensamentos quase incessante na cabeça das pessoas, alimentado pela falta de autoconsciência, os slogans políticos e publicitários, os problemas da sobrevivência e os projetos e receios do futuro. Ou as muitas conversas, livros, revistas e sites fúteis, superficiais ou de campeonatos esportivos, inúteis.
Um momento importante de recarregarmos energias, as refeições, pautadas outrora pelo dar graças ao princípio e ao fim, o que é sempre de se fazer, e com o silêncio ou o diálogo sereno, foi substituído pela audição das notícias televisivas, em geral manipuladas ou tendenciosas, quase sempre com carácter sensacionalista e não informativo-formativo, perturbadoras do ser psicossomático e ético. Neste sentido mesmo, na linha dum texto do Novo Testamento, de profecias e visões, o Apocalipse, atribuído infundadamente a S. João, poderíamos interpretar a televisão, e a ingestão de informação negativa pela mente e o 3.º olho, como o sinal da Besta na testa. Daqui que, regressar, ao fechar dos olhos, aos "misté" ou místicos primordiais, ou aos "rishis" védicos, aos poetas videntes, seja essencial para quem quer manter a sua essência espiritual mais limpa do lixo e logo despertante e ativante da nossa consciência.
Por outro lado, como há tanto barulho à volta das pessoas, acontece o “ligar a música”, que se em certos casos e aspectos é harmonizador, noutros impede a percepção do silêncio e a fruição dos seus efeitos regeneradores e benéficos no corpo e na alma. A fácil e quase automática combinação computador-música-internet, nomeadamente enquanto se trabalha, merece uma discriminação apurada quanto ao seu uso...
O silêncio deve ser, pois, escutado e cultivado conscientemente com perseverança, desde o acordar ao adormecer, como um depósito sagrado, um Graal luminoso e amoroso que levamos no nosso coração e consciência, onde quer que estejamos ou caminhemos. Então estaremos mais na oração sem cessar, capazes de pronunciar a palavra inspirada, justa e mágica, misticamente vivendo-se mesmo os momentos de maior esforço e criatividade, amor e adoração, contemplação ou expansão de consciência, na Unidade Divina que nos contém e banha, inflama ou entusiasma…
Pedro Teixeira da Motta
Fonte do texto e gravura: Diálogo sobre a Mística e o Silêncio, parte do cap. 19, pp.108-11, do livro «DA ALMA AO ESPÍRITO», de Pedro Teixeira da Motta, inserido na Colecção "Saberes".
Publicações Maitreya, Porto, Portugal
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