A Páscoa é considerada o maior dos festivais cristãos, pois nela é celebrada o mistério da morte e ressurreição de Cristo, Nosso Senhor. Cada dia da Semana Santa possui um significado especial, como se fosse uma preparação para a glória do Domingo de Páscoa, que marca o triunfo da Vida Imortal sobre a morte aparente.
Mas para compreendermos claramente o mistério da Páscoa devemos meditar detidamente sobre o significado da Sexta-feira Santa, também chamada de Sexta-feira da Paixão. Ao nos determos sobre o profundo significado desse dia somos chamados a refletir sobre a misteriosa relação existente entre a morte e a vida.
Nossa percepção do mundo, da vida e de seus múltiplos relacionamentos é viciada pelo viés da separatividade e da dualidade. Não existe espaço em nossa mente para a coexistência de opostos. Acreditamos e insistimos que os opostos são sempre excludentes, contrários e impossíveis de coexistir: ou existe vida ou existe morte, luz ou escuridão, atividade ou repouso, e assim por diante. Mas tal percepção existe apenas na criação imaginária da mente humana, pois a Natureza provê inúmeros exemplos de que os opostos aparentes são partes integrantes de um único movimento que é a Vida Divina.
Na natureza não há separação entre vida e morte; ao contrário, existe uma íntima relação entre ambas. No outono, uma árvore perde todas as suas folhas, que, ao morrerem, estão nutrindo o solo e gerando condições para o advento de nova vida. A morte das folhas está diretamente ligada à regeneração da árvore como um organismo vivo. A menos que haja morte não pode haver nova vida.
A morte que é rememorada na Sexta-feira Santa não é necessariamente a morte física. Jesus, com seu exemplo ímpar, não está convidando seus discípulos para o martírio físico. No curso de nossa evolução como Individualidades reencarnantes morremos centenas de vezes e seguiremos morrendo muitas mais, mas a morte física compulsória, que se dá pela degradação do organismo físico, não traz consigo aquela mudança psicológica fundamental que faz com que o ser humano "renasça" numa nova dimensão, numa esfera de inocência, beleza e santidade, que traz consigo a certeza de que o "Reino do Pai está espalhado sobre a Terra" embora os homens não o vejam.
Algo em nós deve morrer, naturalmente, sem esforço ou intenção, e o que deve morrer é aquela natureza pessoal em nós que, nutrida pelo apego em suas múltiplas formas --- autoimportância, autopreocupação, vaidade, orgulho, presunção etc. --- resiste à verdade essencial da vida, que é unidade, absoluta não-separatividade, ou seja, amor ilimitado e imortal. Quanto mais nos apegamos à nossa segunda natureza, à nossa falsa identidade (o eu pessoal) mais nos alienamos da gloria da vida, aumentando assim nosso sofrimento e o dos demais.
Em João 12,23, Jesus comunica a seus discípulos aquele que talvez seja o ensinamento central do Mistério Pascal: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto. Quem ama sua vida a perde e quem odeia sua vida neste mundo guarda-la-á para a vida eterna. Se alguém quer servir-me, siga-me, e onde estou eu, aí também estará o meu servo."
Seguir a Cristo significa ouvir seu chamado nas profundezas de nossos corações e consagrar cada dia de nossas vidas ao serviço do mundo, pois é somente servindo de forma desinteressada que nos livramos da ilusão do "eu" e do "meu".
Rvmo. Pedro Rogério Moreno de Oliveira
Capela de São Miguel e Todos os Anjos
Adyar, Madras, Índia
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/vectors/gr%c3%a1fico-calv%c3%a1rio-p%c3%a1scoa-4072597/
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