quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

SEM PENSAMENTOS OU IMAGENS


[...] sobre a “Filosofia Perene” vimos que a experiência do silêncio interno e da solidão proporcionada pelas disciplinas espirituais contemplativas, como a meditação, nos leva a descobrir a essência da nossa religião e que, além disso, essa experiência é o núcleo comum a todos tradições de sabedoria e religiões.

Embora ao nível da experiência haja muito em comum entre as religiões, ao nível da teorização e da teologia existem grandes diferenças estabelecidas pelos filtros culturais e sociais através dos quais interpretamos estas experiências. Contudo, no mundo em que vivemos é importante que respeitemos a verdade de todas as religiões e nos envolvamos no diálogo inter-religioso, que é um aspecto importante para a Comunidade Mundial. Ao compartilhar o silêncio das disciplinas contemplativas com outras religiões, cria-se uma comunidade e, com ela, respeito e compreensão mútuos.

Se pudéssemos permanecer apenas no nível da experiência, do silêncio partilhado, não haveria conflitos, nem falta de compreensão entre os seres humanos. Mas passamos muito facilmente da experiência ao pensamento. O desejo de compreender verdadeiramente a experiência espiritual interior leva-nos a traduzi-la em imagens e palavras. É assim que nossa consciência funciona. Ser capaz de nomear as coisas nos dá uma sensação de segurança e controle, por mais ilusório que isso seja. Mas esquecemos os limites da nossa consciência racional e os filtros culturais e emocionais através dos quais tentamos compreender a Realidade Divina. Esquecemos que todos os pensamentos e imagens, especialmente sobre o Divino, distorcem e limitam o verdadeiro conhecimento. Na verdade, os primeiros cristãos consideravam até mesmo uma blasfêmia atribuir qualquer nome a Deus.

No início da tradição mística cristã, no século II, encontramos Clemente de Alexandria, que é o primeiro filósofo/teólogo cristão que tentou colocar em palavras a experiência mística e a relação entre a alma humana e o Divino. Fê-lo recorrendo à teologia “apofática”, isto é, da “negação”. Ele não disse o que era Deus, pois via o Divino como um mistério sagrado além da nossa compreensão. Ele tentou alcançar a essência divina expressando o que Deus não era: "Deus não está em lugar nenhum, mas além do espaço e do tempo, e do nome e do pensamento. Deus não tem limites, nem forma, nem nome. Ele é anônimo. Ele simplesmente é... Fique com a noção de ser puro e isso será o mais próximo que você poderá chegar de Deus. Porque Ele é inefável, Ele está além de toda fala, além de todo conceito, além de todo pensamento." (Clemente de Alexandria).

Ele sentiu que só podemos conhecer a essência de Deus eliminando todas as qualidades que normalmente associamos a objetos ou conceitos do mundo material. Havia uma bela analogia: um escultor desmonta um bloco de mármore até revelar uma forma. Da mesma forma, se desejamos experimentar a Realidade Divina, também precisamos de descartar todas as nossas ideias e conceitos sobre Deus, os nossos pensamentos, as nossas imagens até que, pela obra da graça, a Sua presença essencial nos seja revelada. Entramos, então, em “um estado em que reverenciamos a Deus com temor e silêncio e ficamos diante dele em sagrada admiração.” (Clemente de Alexandria). Este estado é o que nos ajuda a ser tolerantes com as diferentes expressões que existem em relação à busca de sentido.


Kim Nataraja



Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

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