sábado, 23 de março de 2024

REFLEXÃO QUARESMAL: DÚVIDA, CORAGEM E MUDANÇA


A Quaresma começa com a história do Êxodo e termina com o mito vivido na pessoa de Jesus. [...] as leituras da liturgia centram-se nos acontecimentos que levaram ao trágico ápice da sua queda, morte e ressurreição. Em Jo 12,20-33, começa com um detalhe aparentemente mundano: entre aqueles que vieram celebrar a festa, havia alguns gregos. Estes se aproximaram de Filipe, que vinha de Betsaida, na Galileia, e lhe perguntaram: “Senhor, gostaríamos de ver Jesus.” Filipe foi contar a André e os dois juntos foram contar a Jesus. Entendemos com isso (1) destacar a expansão de sua influência para além do mundo judaico ou (2) enfatizar o perigo físico em que Jesus se encontrava e a necessidade que ele tinha de segurança?

Em muitos momentos da vida, a própria incerteza sobre qual poderia ser a interpretação correta de um acontecimento aguça nosso senso de realidade. Quantas vezes temos uma sensação de incerteza sobre o significado de algo ou uma sensação incipiente de falta de sentido e ao mesmo tempo sentimos que algo importante está acontecendo? Os detalhes passageiros das últimas horas de vida de um ente querido podem permanecer conosco pelo resto de nossas vidas. Nos momentos importantes prestamos atenção em tudo, inclusive nas pontas soltas e nas questões sem resposta que a vida tem.

Deste ponto em diante no ciclo da Quaresma, somos arrebatados por uma história de intensidade inescapável e por uma sequência de eventos que já ouvimos antes. Mas, como acontece com as crianças, a cada repetição os acontecimentos tornam-se novos.

Jesus acaba de ser informado de que alguns estrangeiros querem vê-lo. Sua resposta a este pequeno assunto é aceitação. (...) ele expressa a sua ansiedade tanto em relação à direção que os acontecimentos estão a tomar como ao significado que já está a começar a revelar-se e cujo resultado ele sabe ser inevitável. Chegou a sua hora e o sentido último da sua jovem vida será cumprido. Isto acontecerá não através do sucesso e da aclamação, mas através do fracasso, da dor, da perda e da inegociabilidade da morte. Por esta razão diz que uma semente tem que morrer antes de produzir uma colheita.

Depois, passando do seu destino pessoal à verdade universal da condição humana, ele partilha connosco o sentido, a verdade. Quem quiser encontrar a sua vida deve perdê-la. E, se ele for o caminho que seguimos, teremos que passar pelo que ele está passando. Por mais difícil que possa parecer este caminho, o discipulado revela-nos o Pai, a fonte, como Jesus o conheceu e viveu desde que iniciou a sua missão.

O êxodo nesta transição pessoal é a ruptura definitiva com os poderes do Samsara, a aliança de forças ilusórias que nos bloqueiam e enganam. O que parece ser o fim torna-se transparente e vemos um novo começo tomar forma. Tudo será novo à medida que nos libertarmos da velha escravidão e abraçarmos o dom único da vida que faz de cada um de nós quem realmente somos.


Laurence Freeman, OSB



Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/fundo-de-natal-estrela-mandala-6317027/

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