Um dos mais desconcertantes problemas da vida espiritual é o de mantermos nosso interesse em meio às intermináveis dificuldades e aos mais cruéis desafios. É a rotina e monotonia de nossa vida diária que solapa nossa vitalidade e força. A vida da maior parte da humanidade é feita de pequenos fatos e incidentes que podemos chamar de trivialidades da existência. Grandes e extraordinários acontecimentos raramente ocorrem nas vidas de homens e mulheres comuns. Demonstrar entusiasmo por coisas extraordinárias é fácil, porém é extremamente difícil mantê-lo em meio à rotina diária. O maior dos desafios do ser humano consiste na manutenção da integridade espiritual em meio dos detalhes triviais da vida. Manter equilíbrio perfeito de pensamento e emoção entre as provocações incessantes causadas pelos fatos e acontecimentos da existência diária, demanda uma energia que a maioria não está em condições de apresentar. E, além disso, a prova da vida espiritual está no âmbito das atividades comuns e não na esfera de empreendimentos extraordinários.
Foi Emerson quem disse que jamais algo de grandioso fora conseguido sem o entusiasmo. [...] Isso tem sido bem evidenciado nas vidas de inumeráveis aspirantes, que retornaram à existência mundana devido à sua inabilidade em manter o entusiasmo na vida espiritual. Entretanto, o entusiasmo não deve ser confundido com o desempenho eficiente de nossas obrigações. A chamada eficiência do mundo é devida, geralmente, ao cultivo de certos hábitos. Uma vida eficiente não é necessariamente uma vida criadora - muitas vezes é uma vida automática. [...] O entusiasmo por alguma coisa emana de uma condição de profundo interesse.
[...] A dificuldade para a maior parte de nós é que vivemos nossas vidas num nível demasiado superficial; nossos pensamentos e emoções são extremamente rasos. Esta tendência para a superficialidade aumentou enormemente nos últimos tempos devido a uma primazia indevida dada à rapidez. Nossa civilização está num estado de precipitação terrível - embora não saiba para onde corre tanto! Ora, uma vida superficial tem constante necessidade de excitações, sejam materiais ou espirituais. Há um anseio por mais e mais excitações, sensações e entretenimentos.
[..] É quando a vida interna feneceu que as dificuldades objetivas parecem intransponíveis. Assim, é a falta de interesse profundo que arrefece o entusiasmo humano. O ser humano está ressequido por dentro e procura renovação de fora! Nenhuma mudança na condição objetiva, nenhuma alteração na disposição do Karma lhe trará renovação, enquanto não penetrar nas reais profundezas de seu próprio ser.
[...] A experiência de todos os místicos espirituais é de que as dificuldades objetivas são varridas pelo impacto do entusiasmo nascido do interesse profundo. Entusiasmo e interesse profundo são fenômenos conjugados, ou então podemos também dizer que um é a expressão e o outro a fonte. O entusiasmo surge somente num estado de interesse profundo intrinsecamente presente, não de forma relativa, porém absolutamente presente no indivíduo. Realmente significa que o interesse não é por alguma coisa, nem em relação a algo particular. É somente o estado de puro interesse que serve de base para o verdadeiro entusiasmo. O interesse por alguma coisa só produz superficialidade, porque constitui entrave para a mente. Uma sensibilidade apenas por alguma coisa não é de modo algum sensibilidade, porque pelo processo inconsciente da resistência, ela torna a mente insensível a outras coisas. A mente aberta unicamente a uma coisa é uma mente fechada. Assim, a condição de puro interesse é que é essencial para o despertar do entusiasmo. É a mente de grande amplitude que é capaz de interesse profundo. A mente sem amplitude é mente rasa ou superficial. Ter amplitude é ter profundidade para poder receber e reter as influências e os impulsos da vida. A mente rasa recebe pouco e, portanto, também dá muito pouco à vida. Quando o recebimento é escasso, a doação também é pequena, desprovida de toda generosidade.
[...] Porém a questão é: Temos de provocar tormentas e perturbações a fim de criar o entusiasmo de viver? Este remédio parece ser pior do que a doença! Afinal de contas o que é uma tormenta ou uma perturbação? Obviamente, é um desafio da vida. Devido a estes desafios, ficamos perturbados. Mas como no rio da vida correm novas águas a todo o momento, a vida é um desafio incessante. Não há momento em que não exista o desafio da vida.
[...] Não há dúvida de que a vida está constantemente enviando, de maneira incessante, desafios de todos os lados e em diversos níveis. Porém, a mente, através de suas respostas, emanadas das esferas de sua memória, trabalha como um "amortecedor de choques", em relação a estes desafios. É esta atividade da mente que nos leva à passividade. Somos, então, impedidos de enfrentar os desafios da vida, devido à intervenção da mente. A mente está interessada em agir como intermediária, porque só assim pode manter sua continuidade. Devido a essa mediação, nós nem mesmo nos tornamos conscientes dos desafios da vida. Algumas vezes, as suas fortificações desmoronam devido à natureza esmagadora do desafio, porém tais circunstâncias raramente acontecem na vida de uma pessoa comum. A pessoa não percebe os contínuos desafios da vida, devido às barreiras colocadas pela mente entre ela e o seu ambiente. Dessa forma a mente a mantém afastada de um contato direto com a vida.
[...] A maioria de nós está circunscrita a uma existência estagnada. Como haver entusiasmo numa existência assim? Se a mente pudesse receber os desafios da vida, sem emitir qualquer resposta de seus centros de memória, permaneceria viçosa e vital. Da mesma forma como a natureza é purificada pela tormenta que ruge, assim o será a mente humana pelos desafios da vida. Recebê-los, porém não reagir a eles, a partir dos centros de memória, é "ficar impassível" no meio da tempestade, é ficar quieto onde se está, porque qualquer movimento da mente, nesta hora de tormenta, conduzirá o peregrino espiritual a uma confusão cada vez maior.
[...] Mas permanecer impassível numa tormenta requer tremenda coragem. Não resistir à tormenta, nem fugir dela implica em receber em cheio o impacto da tormenta. E ao receber este impacto, o homem fica absolutamente só. O desafio sem resposta é um estado de solidão. Quando uma tempestade ruge na Natureza, cada árvore está sozinha, pois tem que se apoiar em sua própria resistência. Porém naquela solidão, se a árvore não resiste, torna-se mais leve devido à queda das folhas e galhos mortos. Da mesma forma, se a pessoa puder permanecer quieta, sozinha e renovada. E na renovação subjetiva, as dificuldades do ambiente objetivo se dissolverão na atmosfera. A solidão criada pela tormenta está cheia de tremendas possibilidades espirituais. [...]
Rohit Mehta
Fonte: do livro "Procura o Caminho", Ed. Teosófica, Brasília, DF
Fonte da Gravura: Mais Yoga - maisyoga.com
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