A palavra «problema» emprega-se nas mais diversas circunstâncias desde que apareça uma diferença entre uma situação exterior, seja ela imprevista, indesejada ou desconhecida, e um cenário interior preconcebido ou habitual. Na maioria dos casos, um problema pode definir-se como uma dificuldade circunstancial ou persistente, que obriga a pessoa a recorrer a uma ação improvisada e não habitual, com vista a se adaptar, minimizar e, idealmente, se libertar do estado de incômodo momentâneo. Desde que surja uma situação que ponha em questão o nosso saber, a nossa maneira habitual de pensar e de fazer ou ainda a ordem rotineira das coisas, temos tendência para dizer que há um «problema», pois, de fato, há um estado de desacordo entre as expectativas ou os hábitos e a realidade exterior.
A noção de problema também ocorre quando estamos mobilizados por um determinado objetivo ou tentando alcançar uma meta definida que acaba por não ocorrer e se concretizar como era previsto e esperado. Nesse momento, somos propensos a ver a situação como sendo problemática e, daí, confrontados com a necessidade de a resolver. A noção de problema intervém sempre que a situação não esteja em conformidade com o cenário antecipado e preferido ou com as nossas expectativas. A mesma noção ocorre quando sofremos uma situação que não resulta direta e aparentemente do nosso livre arbítrio ou da nossa vontade intrínseca, mas que nos obriga a confrontarmo-nos com fatos exteriores inesperados que causam descontentamento. Quer por motivos endógenos, quer por causas exógenas, o vocábulo «problema» aparece quando ocorre uma diferença entre uma expectativa ou prognóstico e a situação exterior ou os fatos momentâneos. De uma forma geral e segundo a nossa visão ocidental, todas as situações que despertam uma divergência ou afastamento entre o que é desejado e antecipado e a realidade exterior podem ser designadas como problema.
Podemos, pois, desde já afirmar que um problema é o «espaço de diferença» entre um cenário exterior imprevisto e desconhecido e um cenário interior pré-conhecido ou pré-concebido. Designo por «espaço de diferença» uma realidade circunstancial que decorre num determinado espaço-tempo, a qual é submetida à lei das probabilidades, e onde pode ocorrer uma diferença entre o esperado ou planeado e os acontecimentos. Ora, todos sabemos que qualquer situação presente, iminente ou projetada, pode muito bem não se desenrolar conforme o que é ou era previsto e desejado, ou segundo uma predeterminada ordem habitual. Haverá sempre uma probabilidade ou hipótese de que não coincida com o que gostaríamos e com o que previmos. Aí coloca-se uma diferença entre a realidade exterior e o nosso mundo interior, que vamos designar por problema, tanto pelas causas como pelos efeitos. As causas são os fatos e condições exteriores, enquanto os efeitos são o impacto desses fatos. Porém, muitas vezes, a causa do problema reside no nosso próprio modo de ver e conceber a situação. Quando se apresenta um suposto problema, a situação será caracterizada principalmente pelo nosso estado de espírito e capacidade de estar pronto para o imprevisível e a adversidade. Independentemente da gravidade e persistência da situação, a intensidade do problema dependerá sempre da atitude com que o abordamos e o enfrentamos.
Face a uma situação supostamente problemática, tanto podemos descobrir novos recursos pessoais e uma criatividade de circunstância, como podemos sentir-nos incapazes de encontrar uma solução e resolver o eventual problema. Se ficamos apegados a um cenário habitual e preferencial, sem estar aberto a uma provável variação imprevista, isso só pode despertar uma quantidade de emoções mais ou menos inadaptadas que vão dificultar a nossa capacidade de adaptação e de aceitação da situação. Nesse momento, a circunstância e a duração que dá origem ao suposto problema circunscreve-se a um espaço-tempo onde surge uma divergência entre a representação conjecturada ou prefabricada e os fatos ou acontecimentos, constituindo um espaço de diferença. Esta divergência torna-se um espaço-tempo onde se vai intrometer um conjunto de reações emocionais mais ou menos construtivas ou perturbadoras, consoante a nossa atitude. Ao aceitar que qualquer situação também pode sofrer imprevisibilidades, as causas potenciais e os efeitos eventuais já não estão exclusivamente restringidos ao cenário previsto ou habitual. Isto é, se adotarmos uma visão pronta admitindo a lei das probabilidades, a nossa atitude vai naturalmente melhor preparar-nos para as casualidades e ajustar a nossa forma de ver e conceber a situação supostamente problemática.
Todos temos consciência, tanto de forma teórica como empírica, que os eventos não seguem automaticamente um plano antecipado ou um programa preconcebido pelas experiências anteriores. Assim sendo, os acontecimentos podem muito bem ser diferentes das nossas expectativas e prognósticos e sofrer contingências que divergem do habitual e do conhecido. Quanto mais a nossa postura se mantém apegada às expectativas, desejos, previsões e hábitos, mais dificuldades temos em enfrentar de forma criativa e proveitosa os imprevistos e mesmo os obstáculos. Ao invés, com uma atitude flexível e aberta ao imprevisto, apercebemo-nos que o grau de gravidade de um problema depende da nossa aptidão para ajustar, em presença dos fatos exteriores, a nossa mente, os nossos sentimentos e os nossos comportamentos. E é por isso mesmo que muitos problemas não são verdadeiramente um problema, mas antes uma dificuldade de percepção e de adaptação da mente. Se a nossa percepção e a nossa atitude se mantiverem agarradas a um cenário preconcebido consciente e muitas vezes pré-consciente, instaura-se uma dificuldade em adaptarmos e ajustarmos o nosso modo habitual de ver, conceber e fazer. Ou seja, as experiências anteriores, a memória das situações passadas ou a percepção habitual dos fatos sobrepõem-se à realidade imediata.
Luís Philippe Jorge
Fonte: do livro «Desapego», parte do 3º capítulo
Via www.prosveta.com
Fonte da Gravura: capa do supracitado livro
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