segunda-feira, 19 de setembro de 2022

SILÊNCIO, SIMPLICIDADE E ABISMO INTERIOR


No processo de simplificação evangélica é necessário aludir à estreita relação que tem com o silêncio. No fundo, essa renúncia de apegos, afetos, necessidades, preocupações consiste no exercício de silenciar todas as pressões externas que me dizem o que é importante para os outros, e também as pressões internas que me impõem o que absolutamente preciso para viver: os afetos , estima, valor, segurança ou prestígio. De fato, o silêncio é o clima em que o olhar se simplifica e o coração se unifica. Mas, para isso, não basta o silêncio externo, em que se silenciam as vozes e os ruídos ao nosso redor, é necessário sobretudo o silêncio interior, que consiste em silenciar as reivindicações e os ruídos que vêm das paixões.

Se meus desejos, meus medos, minhas alegrias e minhas dores, se todos os movimentos que vêm dessas "quatro paixões" não fossem perfeitamente ordenados a Deus, eu não estaria solitário, haveria ruído em mim; é necessário o apaziguamento, o "sono das paixões", a unidade do ser*.

É a mesma coisa que São João da Cruz nos ensina quando fala de acalmar a casa interior: Daí, nas quatro paixões da alma, que são: alegria, dor, esperança e medo, sendo acalmado pela mortificação contínua, e nos apetites naturais adormecer na sensualidade pela secura ordinária, e na elevação da harmonia dos sentidos e poderes interiores, cessando suas operações discursivas, como dissemos, que é todo o povo e morada da parte inferior da alma, que é o que aqui chama de sua casa, dizendo: "Minha casa já está calma"**.

O silêncio de que precisamos não pode consistir simplesmente em calar a boca ou fugir dos ruídos externos. O verdadeiro silêncio tem a ver com a descoberta do tesouro, porque é fruto da atração de Deus. Se ele me encontra, me oferece seu amor e me chama para ele - essa é a essência da vocação cristã - ele me atrai para ser dele. E a primeira resposta a essa atração é atenção prioritária a ele, escutá-lo; e só podemos ouvir se calarmos a boca. Mas presos nas complicações da vida e dentro de nós mesmos, não podemos ouvir a Deus. Devemos, então, entrar em um processo pelo qual tudo se simplifica, precisamente porque as vozes interiores e exteriores que não vêm de Deus são silenciadas e o supérfluo desaparece, para que Deus possa realmente começar a ser Deus em nós. É um itinerário ao qual Deus nos atrai para nos fazer seus e entrar em profunda comunhão de amor com Ele; itinerário percorrido em desapropriação e abandono, que supõe uma verdadeira descida ao abismo interior em que tudo que não é Deus é silenciado e, assim, tudo se simplifica à força de olhar apenas para Deus e buscar apenas a sua vontade. Esta mudança é como a inclinação que nos faz descer para o abismo interior onde Deus habita. É o caminho necessário para que nossa habitação em Cristo se torne uma realidade da mesma forma que ele habita em nós. E a simples intenção é o que nos torna semelhantes a Deus.

A simplicidade da intenção é o que dá às almas o descanso em Deus, como um abismo insondável ao qual devemos aspirar, como nos diz a Carta aos Hebreus: "Esforcemo-nos, pois, por entrar nesse descanso" (Hb 4,11).

"A simplicidade comunica à alma o repouso do abismo." Ou seja, o descanso em Deus, abismo insondável, prelúdio e eco daquele descanso eterno de que fala São Paulo: "Nós, os que cremos, seremos introduzidos no descanso" (Hb 4,3)***.




*Santa Isabel de la Trinidad, Últimos exercícios, décimo dia.
**San Juan de la Cruz, Noite Negra, Livro I, cap. 13, 15.
***Santa Isabel de la Trinidad, Últimos exercícios, terceiro dia, que comenta uma frase de Ruisbroeck.




Fonte: do texto "A Simplicidade Espiritual"
Hermandad de Contemplativos en el Mundo
Madrid (España)
hermandad@contemplativos.com
https://contemplativos.com/retiro-espiritual/la-simplicidad-espiritual/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

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