sábado, 15 de outubro de 2022

O DESERTO NOS DESPOJA DE NÓS MESMOS


O PROCESSO DE RECONHECIMENTO DE IR AO DESERTO PARA SE ENCONTRAR CONSIGO MESMO EQUIVALE A ADMITIR QUEM SE É, SEM MÁSCARAS, NUM CONVITE QUE SÓ DEUS PODE NOS FAZER, PARA NOS ACOLHER SEM JULGAMENTOS, NOS CONVIDANDO À RENOVAÇÃO DE PENSAMENTOS, GESTOS E ATITUDES.

O despojamento de si constitui um encontro com a verdade. É o que os gregos chamam de gnosis, isto é, o conhecimento radical de si mesmo.

Se fizermos uma análise comparativa das religiões, constataremos que todos os expoentes religiosos passaram por algo como o deserto antes de iniciar o seu ministério, como Buda e Krishna, como forma de se preparar para o desempenho da tarefa. Tal experiência atende a uma necessidade de se desidentificar com o mundo, recuperar a conexão direta com Deus, delimitar a missão real e dar prosseguimento ao processo de despertar das consciências, motivo pelo qual vieram até nós.

Além disso, o deserto é para pessoas fortes. Não é qualquer um que aguenta a experiência de abstrair-se do mundo. Cada vez mais, as pessoas ingressam numa euforia vazia, num usufruir e exaurir de todos os sentidos, na busca de um prazer ininterrupto, numa clara tentativa de fugir de si próprias.

[...] O deserto é uma experiência provisória, como a noite, por exemplo. Não deve ser uma constante na vida de ninguém. Fomos criados por Deus para vivermos em comunidade e em fraternidade, embora seja necessário que repetidas vezes regressemos ao deserto. Lá, fazemos um estágio de aprendizado que nos habilita a voltar à luta.

Uma das maiores dores enfrentadas pelo ser humano é a solidão.

[...] Todos nós temos projetos de mudanças, mas ainda lidamos com instintos que ficam se repetindo, e por isso procrastinamos, adiamos essas mudanças, até que a vida se imponha com sua Lei de Progresso, que nos arroja para a frente, e ainda assim a mudança não acontece de forma mágica.

Paulo de Tarso vai para o deserto e passa por essa experiência rica ali contida. Ele entende quem é Jesus, compromete-se com a tarefa do Mestre, começa a divulgar o seu Evangelho, funda igrejas de cidade em cidade, mas, um dia, escreve uma carta aos Romanos (7:19) dizendo: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”. Olha a ambivalência. “Eu sei o que é bom”, ele diz. “Mas faço o que é errado.” É a transição entre o homem velho e o homem novo.

[...] Embora ainda tenhamos muitos aspectos de nosso ser a serem trabalhados, tomamos uma decisão. Essa decisão estabelece uma meta que demanda tempo, paciência, persistência e disciplina para ser alcançada. Logo, no deserto, podemos deixar de nos identificar com crenças que nos tolhem como “eu tenho de ser o melhor, o mais bonito, o mais rico etc.”, só assim permitimos que o eu eterno, a centelha divina incorruptível criada por Deus e que habita em nós desde que Ele a soprou em nossas narinas (Gênesis 2:4), se desenvolva à sua imagem e semelhança (Gênesis 1:27). Desse modo, a luz divina que brilha em todos nós tomará conta de nosso ser, como está dito em Mateus 5:16, “brilhe vossa luz”.

É crucial deixar que o ego infantil ceda espaço para que possamos chegar um dia a dizer o que Paulo disse, no final de sua vida: “Já não sou eu quem vive; é Jesus quem vive em mim”. (Gálatas 2:20)

[...] Antes da Luz, é preciso ter a admissão da Sombra. Por isso, o processo de reconhecimento de ir ao deserto para se encontrar consigo mesmo equivale a admitir quem se é. Não se inquiete nessa experiência, afinal ninguém estará lá para julgá-lo.

[...] No momento em que nos julgamos abandonados, quando, na nossa concepção, nem mesmo Deus está nos suportando, é o momento em que Ele nos carrega nos braços, pois Deus não desiste dos filhos.

[...] Se você não desiste, mesmo sem acreditar que haja mudança, Deus muito menos desistirá, pois sabe que o dia da mudança chegará. Ele é quem não desiste mesmo, pois nada, absolutamente nada vai nos separar do amor de Deus.

É intelectualmente muito fácil acreditar que Deus nos ama, mas emocionalmente é difícil de entender, afinal a raça humana não é muito amável, e para constatar isso basta ler as manchetes de um fim de semana ou mesmo observar a forma como a maioria das pessoas vive. Talvez se um de nós fosse Deus, pensasse: Não tem mais jeito, vou recomeçar tudo... Se Deus tivesse para nós o mesmo olhar que temos para com outras pessoas, talvez isso acontecesse, pois não haveria razão para motivarmos o amor Dele. Mas Deus não é como nós somos! Ele vê todos os nossos equívocos, e olha que são muitos, mas ainda assim nos ama. Isso não significa que Ele seja indiferente aos nossos muitos erros, mas porque não desiste, demonstra um amor tão arrebatador, que nos dá a condição de acreditarmos em nós e, mudando a forma de estar no mundo, agirmos para nos tornarmos melhores.



Rossandro Klinjey



Fonte: do livro "O Tempo do Autoencontro -  Como fortalecer-se em tempos difíceis e vencer os desertos da vida"
Ed. Planeta do Brasil - Academia - São Paulo – SP, 2020 - www.planetadelivros.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/deserto-panorama-p%c3%b4r-do-sol-duna-2774945/

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