Uma imensa figura escura surge no meu idílico jardim. Ela me aterroriza. Percebo, trêmula, que estou à sua mercê. Estou em seu poder. É meu pai, o homem que me estuprou repetidas vezes quando eu era menina. Desenho uma imagem desse homem libidinoso na soleira da porta, prestes a me devorar, a menos que eu cumpra suas ordens. Depois desenho a sombra dessa figura — daquele que assombrou minha existência e lançou um sudário sobre a minha vida.
Uma das minhas alunas, N. R., passou por essa experiência durante uma visualização guiada para desenhar a sombra. As visualizações são projetadas de modo a que as imagens irrompam espontaneamente do inconsciente — fonte de muita obra de arte.
Ao explorar as técnicas de imaginação ativa de Jung, você pode usar as imagens que "vê" durante a visualização guiada para ter acesso às partes de si mesmo que estavam fechadas à percepção consciente. Essas imagens incluem personagens imaginárias, personalidades oníricas ou pessoas da vida cotidiana que simbolizam aquelas partes de você mesmo que o fazem sentir-se constrangido ou que parecem repulsivas. Elas têm como característica parecer o oposto da sua auto-imagem. Elas representam todas as qualidades — não apenas as negativas — que fomos condicionados a acreditar que devam permanecer sem ser expressadas. Ao tornar essas imagens conscientes através do desenho, você pode visualizar melhor suas partes reprimidas; primeiro você as vê dentro de uma outra pessoa, na segurança e objetividade de uma imagem sobre uma folha de papel. Quando conseguir reconhecer essas qualidades da sombra, você também conseguirá incorporar qualidades ocultas mais positivas — tais como a força, a sexualidade, a afirmação de si mesmo, a gentileza — e, assim, expandir o seu senso do "eu".
Antes de fazer essa visualização, crie um ambiente de apoio através de um simples ritual com velas, flores ou música. Depois feche os olhos, acompanhe o ritmo de sua respiração e diga a si mesmo: Você está num belo jardim, ou num local onde já esteve antes, ou num lugar completamente imaginário. Ao caminhar, você sente a textura das pedras na trilha sob seus pés. Você observa as cores luminosas das flores e da folhagem, o límpido céu azul, as suaves nuvens brancas e o leve toque da brisa. A temperatura está fria ou quente? Observe outros detalhes sensoriais. Agora, deixe-se sentir o sagrado desse lugar, sua segurança e sua energia. Uma luz radiante o preenche; você é um ser humano pleno. A seguir, você vê uma pessoa que é exatamente aquela que você não quer ver. (Pausa) Ela se aproxima de você, atrai toda a sua atenção e o deixa terrivelmente perturbado. Você nem mesmo sabe por quê. Essa pessoa é, de todas as maneiras, o seu oposto. E ela uma figura onírica, alguém que você conhece, ou uma combinação de diversos personagens? Qual é o seu aspecto? Quais as cores e os humores que a cercam? Você sente raiva, medo, espanto? Ódio ou respeito? Amor ou repugnância? O que existe nela que lhe desagrada? Quando ela fala, qual o som da sua voz? O que ela diz? Ela é crítica? Egoísta? Cruel? Tímida? Sensual? Arrogante? Dedique algum tempo para sentir plenamente essa figura de sombra. Deixe suas sensações penetrarem cada célula de seu corpo, para que esse ser fique bem claro na sua mente. (Pausa)
Então, com os olhos fechados, comece a desenhar essa sensação. Quando estiver pronto, abra lentamente os olhos e continue a desenhar por uns quinze minutos. Depois da visualização guiada, você pode criar os desenhos da sua experiência com materiais de uso rápido e fácil (como óleo ou giz). Seja espontâneo. Deixe que as imagens venham à superfície sem "censurar" sua visão interior. Tente conservar a sensação da visualização enquanto desenha — não se interessando pelas preocupações formais da arte nem julgando a qualidade da obra, mas apenas buscando a expressão emocional. Você pode desenhar à moda abstrata ou figurativa, deixando que as imagens mudem à medida que você desenha. Não é necessário que você compreenda o significado da imagem. O simples ato de desenhar já é uma terapia, porque você agora tem uma imagem consciente da sua sombra com a qual trabalhar. Se surgir alguma imagem assustadora, tal como uma vítima de abuso sexual ou um tirano enfurecido, tente continuar desenhando. A dor pode oferecer uma das maiores oportunidades de renovação e pode ser utilizada como energia criativa em estado bruto.
A partir desse desenho inicial, você poderá desenvolver uma série de imagens da sua sombra. A imagem e as cores talvez mudem e assumam muitas formas, refletindo o processo de cura.
Como muitos dos meus alunos, N. R. descobriu que a confrontação com o lado da sombra de seu pai e de sua criança interior brutalizada levou-a a uma crescente percepção de seu próprio vigor e autoconfiança.
Aqui estão algumas outras práticas para trabalhar com a sombra:
Faça um desenho que integre sua sombra ao restante da sua persona.
Elabore um diálogo escrito com o desenho de sua sombra, para descobrir o que ela precisa.
Faça um desenho de si mesmo a partir do ponto de vista da sombra.
Você também poderá descobrir que desenhar a sombra é uma experiência criativa de riqueza infinita.
Linda Jacobson
Fonte: do livro "AO ENCONTRO DA SOMBRA - O potencial oculto do lado escuro da natureza humana", Connie Zweig e Jeremiah Abrams (Orgs.), Tradução MERLE SCOSS
Ed. CULTRIX, São Paulo
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/mulher-escadas-retroilumina%C3%A7%C3%A3o-3340958/
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