terça-feira, 28 de julho de 2020

QUEBRANDO O ESPELHO


Não creio que seja exagero dizermos que o pecado original é a consciência de si mesmo, a hiper-auto-consciência do egoísmo, pois a consciência de si mesmo dá origem à consciência dividida. Isto se parece a um espelho entre Deus e nós mesmos. Sempre que olhamos para o espelho, nos vemos. O propósito da meditação é o de quebrar esse espelho, para que não mais olhemos para os reflexos das coisas e, consequentemente, vejamos as coisas às avessas, inclusive a nós mesmos. A essência da meditação é a de tomarmos de assalto o reino dos céus. O espelho precisa ser quebrado. E, quando Jesus nos diz que ninguém pode ser seu seguidor a menos que deixe para trás a si mesmo, ele está falando acerca da superação da consciência de si mesmo.

Ora, de fato, não se faz necessária muita experiência de vida para que percebamos que essa consciência de si mesmo nos ilude a ponto de enxergarmos que todo o universo gira em nosso redor; ou, para concluirmos, que essa consciência de si mesmo é um pavoroso estado de ser. Talvez seja isso o que leva a maioria de nós à meditação. Não queremos passar o resto de nossas vidas olhando para esse espelho e enxergando tudo às avessas.

Queremos olhar, com coragem, para o infinito mistério de Deus. Porém, quando começamos a sentir essa primeira perda da consciência do si mesmo e quando começamos a adentrar o profundo silêncio que é a meditação, podemos vir a nos sentir perturbados e assustados. Nesse ponto, precisamos do apoio de nossos irmãos e irmãs... Precisamos compreender que a fé é um dom, que nos é dado, como nos diz São Paulo, em abundância, caso apenas estejamos abertos a ele e continuemos a martelar esse espelho, até que ele se despedace inteiramente. Com nosso mantra, nós o martelamos [suavemente].

Não há nada de passivo acerca da meditação. Trata-se de um estado de crescente e aprofundada abertura para a fonte do poder de toda a realidade, que só podemos descrever em palavras adequadamente como Deus-que-é-amor. A meta de nossa vida e o convite de nossa vida não é nada menos do que a união completa, a ressonância completa com aquela fonte de poder. Quais são os frutos da não-consciência-de-si-mesmo? Felicidade, paz, controle-de-si, paciência, fidelidade, todas aquelas coisas de que nos fala São Paulo como sendo os frutos do espírito. Esse é o estado de ser, no qual estamos livres para sermos nós mesmos, livres para receber o dom de nossa vida sem medo, em estado de graça, de amor.


Dom John Main, OSB



Fonte: "Quebrando o Espelho" - Leitura de 28/09/2008
MOMENT OF CHRIST (New York: Continuum, 1998) pp. 50-51.
Tradução de Roldano Giuntoli
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: Tumblr.com

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