Damos toda a razão a quem pretender com o Yoga melhorar suas condições físicas e psicológicas. Você poderá colher tais frutos. Seu corpo remoçará, como o desejo. Os sinais de decadência física, própria da idade avançada, seguramente serão retardados ou substituídos pelos aspectos juvenis que dão encanto às pessoas moças. As adiposidades desaparecerão. A cor rosada e sadia brilhará em seu rosto. As linhas elegantes, o tórax desenvolvido, a harmonia dos gestos, o porte ereto, tudo enfim que embeleze a figura, se encontram a seu dispor. No plano psicológico, alcançará, concomitantemente, outras tantas vantagens. Ao tratar de cada asana e de cada pranayama, em "Autoperfeição com Hatha Yoga" e em "Yoga para nervosos", fiz referência à vantagens terapêuticas. Essas referências foram retiradas de tratados respeitáveis bem como de minha experiência com milhares de casos.
Tão flagrantes e seguros são os proveitos do Yoga que atraíram uma infinidade de aficionados no mundo todo. Como você e eu, homens e mulheres, jovens, velhos e de todas as categorias sociais e profissionais se atiram avidamente à prática. Que pretendem?
Propaganda intensa e eficaz tem divulgado o Hatha Yoga. O conhecimento divulgado, no entanto, é de certa forma infiel. O Hatha Yoga tem sido apresentado como uma nova panacéia, capaz de servilmente recompor a saúde e a forma física de quem delas precisa para triunfos mundanos. Artistas de cinema, elementos do "society", pessoas ociosas do mundo ocidental abraçaram o Yoga, que se transformou em passatempo, mania, moda, divertimento, sei lá o que… Evidentemente, uma deturpação lamentável. Tais homens e mulheres, do Yoga só desejam as vantagens, ao mesmo tempo em que se furtam a um austero comportamento e às implicações de ordem espiritual. Verdadeiros tontos, inebriados pelo mais evidente e mais facilmente desejável, praticam Yoga como quem joga um novo tipo de carteado, como quem vai à sauna ou salão de beleza.
Mesmo a essas pessoas o Yoga faz bem, no plano físico. Não faz todo o bem que poderia fazer, no entanto, em virtude de não atuar mais profundamente no plano psicoespiritual. O que um diletante consegue, praticando asanas por motivos esportivos ou estéticos, é muito menos do que lucraria, se, a par de fazer as técnicas, também amasse o próximo, ajudasse os outros e se comportasse com alta dignidade. A saúde e plástica de uma estrela de cinema naturalmente melhoram com os exercícios, mas muito menos do que se ela transformasse sua vida numa permanente oferenda a Deus. Os frutos mais doces da árvore do Yoga só podem ser colhidos nos ramos mais altos e mais tenros, portanto verdadeiramente impraticáveis àqueles cujo egoísmo pesa uma tonelada. Refiro-me às realizações, às experiências e as vivências mais transcendentes e libertadoras. Os diletantes se contentam em apanhar as frutas do chão que os pássaros já não querem.
Contam que um tolo, ao comer bananas, devorava as cascas e lançava fora a polpa saborosa. Da mesma forma, as pessoas vaidosas se iludem dizendo que praticam Yoga quando apenas cultivam o impermanente. Algumas chegam mesmo a se dizerem yoguinis, quando apenas se contentam com resultados superficiais.
Se no plano físico o Yoga deturpado apenas oferece vantagens menores, no plano ético-espiritual chega mesmo a ser maléfico e luciferino. Já viu o leitor que alimentar o ahamkara (egoísmo) é a fonte de todos os pecados, de toda a fragilidade, dor e angústia. Ao mesmo tempo causa e efeito da vaidade, da cobiça, da inquietude e das vicissitudes, o ahamkara nos mantém exilados da casa paterna. Tudo o que contribui para engordar e criar apego ao eu superficial; tudo o que vier a criar novas ilusões e grilhões novos; tudo, enfim, que levar a crer que o homem é apenas sua posição social, suas vitórias profissionais ou artísticas, que é um amontoado de lembranças, imagens e ideias; tudo o que fizer o homem considerar-se este frágil arranjo temporário de experiências psico-sociais e moléculas químicas; tudo o que o afastar do objetivo último – a unificação – não passa de perigoso inimigo. O Hatha Yoga, mal utilizado, pode ser esse inimigo.
Ora, é certo que morreremos. É certo que somos sujeitos à doenças, acidentes, envelhecimento e dor. Por mais miraculoso que seja o Hatha Yoga, não nos salva dessas coisas. Aliás, elas não são males. São naturais. “A doença é o aluguel que pagamos por morar no corpo”, lembra Ramakrishna. Os sofrimentos são-nos não só naturais, mas também necessários. Por que nos perturbarmos quando ele nos chegar e por que dele tentar fugir? É ainda o muito amado Ramakrishna que nos ensina: “É preciso esquentar o ferro várias vezes e martelá-lo muito tempo, antes que ele possa tornar-se aço temperado. E só então é possível dar-lhe a forma que se deseja e dele fazer uma espada cortante. Da mesma forma, um homem deve passar várias vezes pela fornalha das tribulações, deve ser batido pelas perseguições do mundo antes de tornar-se humilde, puro e capaz de ascender à presença de Deus”.
Qual a atitude mais sábia que se deve manter, na doença e em face do envelhecimento? Temê-las? Tentar fugir?
Devemos cumprir tudo o que é possível e razoável, a fim de preservar a saúde e as energias da mocidade. Não devemos, entretanto, fazer nossa felicidade depender de tais coisas. Não devemos desesperar ao cairmos doentes. Não convém entregarmo-nos ao abatimento quando perdemos cabelos ou notamos rugas no rosto. A Sabedoria Universal ensina que só o espírito é eterno. Só ele pode servir de alicerce à nossa felicidade.
“Todo aquele, pois, que ouve essas minhas palavras e as observa será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Desceu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela não caiu, pois estava edificada sobre a rocha. Mas todo aquele que ouve essas minhas palavras e não as observa será comparado a um homem néscio, que edificou a sua casa sobre a areia. Desceu a chuva, vieram os ventos e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e foi grande a sua ruína.” (Mateus 7:24)
Edifiquemos, portanto, a nossa sobre a rocha eterna do espírito.
Há os que se dedicam ao Yoga em busca de siddhis, isto é, poderes psíquicos. É uma outra forma de desvirtuar o Yoga e de colher desenganos. A ninguém é lícito brincar de aprendiz de feiticeiro. Essas pretensões são antinaturais e ainda distraem o discípulo de seu objetivo verdadeiro. Disse Krishna a Arjuna: “Podeis estar certo de que um homem que se esforça para obter os poderes psíquicos não realiza Deus. O exercício desses poderes implica o ahamkara, o egoísmo, que é um obstáculo no caminho da realização.”
Quero que o leitor entenda que, se com a prática do Hatha Yoga aspira a lucros mundanos e ligados ao ahamkara, isto é, lucros egoísticos, estará acumulando futuras decepções e perdendo terreno na grande tarefa de sua existência: a libertação, o Reino dos Céus, o “regresso”…
No Hatha Yoga, como em tudo, devemos comportar-nos segundo o preceito evangélico: “Procurai em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, e todas as outras coisas vos serão dadas de acréscimo”.
Se as praticamos com essa disposição, só teremos proveito e nenhum dano.
“Se conhecerdes o Único, podereis tudo conhecer. Os zeros que se colocam depois do algarismo 1 tornam-se centenas de milhares. Mas se apagardes esse algarismo 1, nada restará.” (Ramakrishna)
Saúde, beleza, energia, poderes ocultos, eficientes realizações mundanas, tudo enfim que o Hatha Yoga proporciona, são apenas zeros. Zeros e mais zeros enfileirados não fazem mais do que zero, se não forem precedidos pelo “1” da realização do Yoga, ou Integração.
Prof. José Hermógenes
Texto (originalmente publicado na década de 1960) extraído das páginas 203 a 206 da 38ª edição, de 1998, do livro Autoperfeição com Hatha Yoga, e digitado por Cristiano Bezerra em 10 de abril de 2001.
Fonte do Texto e das Gravuras:
EKADANTA YOGA
http://www.ekadantayoga.com.br/
Gravura do topo (1): capa do livro Autoperfeição com Hatha Yoga, do Prof. José Hermógenes
Gravura do topo (2): Prof. José Hermógenes em padmasana, na década de 1960
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