Essa questão já preocupava Kardec, que a expõe aos amigos espirituais nas questões 606a, 607 e 607a de "O livro dos Espíritos", tendo como resposta a informação de que é nesses seres (os animais) que o princípio inteligente se elabora e ensaia para a vida, até sofrer uma transformação para se tornar Espírito. Mais detalhes sobre esse processo são encontrados em "A Gênese", de A. Kardec, cap. XI, itens 15 e 16, onde lemos:
"Corpos de macacos teriam sido muito adequados a servir de vestimentas aos primeiros Espíritos humanos, necessariamente pouco avançados, que vieram encarnar-se na Terra [...], como não há transições bruscas na natureza, é provável que os primeiros homens que apareceram sobre a Terra pouco diferissem do macaco em sua forma exterior e, sem dúvida, também quanto à sua inteligência."
A primeira coisa que nos chama a atenção nesse texto é a informação de que os primeiros Espíritos humanos que encarnaram em nosso planeta teriam se servido de corpos de macacos, pois isso estaria dentro da estrutura da Metempsicose, doutrina da transmigração das almas, de um corpo para outro, havendo a possibilidade de Espíritos humanos reencarnarem em corpos de animais, o que a Doutrina Espírita não aceita (vide questão n. 612 de "O livro dos Espíritos"). Ficamos, então, diante de duas informações, constantes de obras da codificação, que aparentemente se contradizem. No entanto, encontramos dados conciliadores:
• LE 609 – "Não há transição brusca, há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos".
• LE 611 – "No momento em que o princípio inteligente [...] entra no período de humanidade, não tem mais relação com o seu estado primitivo e não é mais a alma dos animais, como a árvore não é a semente".
• GE XI.23 – "[...] passando pelos diversos graus da animalidade – seu período de incubação [...] haveria, assim, uma filiação espiritual, como há uma filiação corporal".
O exposto em a "Hipótese sobre a origem do corpo humano", como Kardec ("A Gênese", XI, 15 e 16) coloca, portanto, é bastante razoável, ao considerar:
"Sob a influência da atividade intelectual de seu novo habitante (princípio inteligente que se encontrava entrando no período de humanidade), o envoltório (corpo de macaco) se modificou [...]. Os corpos aperfeiçoados, ao procriarem, deram origem a uma nova espécie que, pouco a pouco, se afastou do tipo primitivo [...]. O Espírito do macaco, que não foi aniquilado, continuou a procriar corpos de macacos [...] o tronco se bifurcou [...]."
É de se imaginar, no contexto da hereditariedade, o trabalho preparatório realizado pelos orientadores desse processo no plano maior. Basta referir o relatado por André Luiz ("Evolução em Dois Mundos", cap. X):
"É assim que, atingindo os alicerces da humanidade, o corpo espiritual do homem infraprimitivo demora-se longo tempo em regiões espaciais próprias, sob a assistência dos Instrutores do Espírito, recebendo intervenções sutis nos petrechos da fonação para que a palavra articulada pudesse assinalar novo ciclo de progresso."
O que foi exposto em "A Gênese", de Kardec, encontra hoje confirmação nos estudos de historiadores ("Sapiens - Uma breve história da humanidade", Y. N. Harari) e de antropólogos ("A saga da humanidade", W. Neves), segundo os quais as várias espécies do gênero humano teriam sua origem no Australopithecus afarensis (austral = sul, pithecus = macaco), espécie de macaco de posição tendendo a ereta que teria vivido no Sul da África há cerca de 3,2 milhões de anos (Figura 1).
Há de se perguntar, das primeiras espécies que emergiram do Australopithecus, qual delas já poderia ser considerada propriamente humana! Por exemplo, o Homo habilis (viveu há 2,3 milhões de anos), apesar de ter sido chamado de Homo, atualmente é rejeitado por muitos pesquisadores como pertencente ao gênero humano, por ter características morfológicas mais parecidas com as do Australopithecus (Figura 1).
Figura 1. Idealização, com base na estrutura óssea dos fósseis encontrados, da figura do Australopithecus afarensis (à esquerda) e do Homo habilis (à direita). Nota-se neste o pequeno desenvolvimento do neurocrânio (parte da estrutura óssea da cabeça correspondente à cavidade craniana, que contém o encéfalo) em comparação ao desenvolvimento mais pronunciado do viscerocrânio (parte da estrutura óssea da cabeça correspondente à face) Fonte: Google imagens.
Comparativamente às características da nossa espécie – Homo sapiens –, sem dúvidas o Homo eretus é o que já corresponderia ao padrão humano. Com essas informações, somos levados a concluir que as espécies intermediárias entre o Australopithecus e o Homo eretus correspondem ao enunciado em "A Gênese", A. Kardec, XI,16: "[...] como não há transições bruscas na natureza, é provável que os primeiros homens que apareceram sobre a Terra pouco diferissem do macaco em sua forma exterior e, sem dúvida, também quanto à sua inteligência”.
Quando nos referimos à essência espiritual do Homo habilis, seria adequado falarmos em princípio inteligente ou em Espírito? Em "O Livro dos Espíritos", questão 611, pode-se ler: "No momento em que o princípio inteligente [...] entra no período de humanidade, não tem mais relação com o seu estado primitivo e não é mais a alma dos animais, como a árvore não é a semente". Na visão antropocêntrica, esses dizeres podem parecer sugestivos de que não existe qualquer vínculo do ser humano com os animais. Entretanto, há de se considerar que, além do Criador, só existem dois elementos no Universo: o Espírito e a matéria ("O Livro dos Espíritos", questão 27). Não sendo matéria, conclui-se que o princípio inteligente (dos animais) se encontra na mesma categoria do Espírito (humano).
Com o recurso de uma metáfora, vamos comparar uma semente de laranja a uma laranjeira. Quanto à forma e ao estágio de desenvolvimento, são diferentes, mas se o critério for a essência, veremos que ambas se correspondem e diferem da essência do abacaxi, da uva ou da melancia. Com esse mesmo raciocínio, podemos concluir que o princípio inteligente (dos animais) e o Espírito (humano) encontram-se em diferentes estágios de conformação e de estágio evolutivo, mas correspondem, ambos, à mesma essência ("O Livro dos Espíritos", questões n. 606a e 607).
Mais importante que a tentativa de uma resposta adequada ao dilema proposto é a evidência de que a transformação do princípio inteligente em Espírito representa um processo dentro do qual, para uma grande faixa limítrofe com o Australopithecus, permanece a dúvida. Não por outra razão, André Luiz ("Evolução em Dois Mundos", cap. X) refere-se à criatura que ocupa essa faixa como “homem infraprimitivo”, sendo nesse indivíduo que os artífices do plano maior investiram intensamente para o progresso de sua evolução e consequente eclosão do gênero humano. Assim, o autor espiritual continua:
"Aprende então o homem, com o amparo dos Sábios Tutores que o inspiram, a constituição mecânica das palavras [...] para a criação, enfim, da linguagem convencional, com que reforça a linguagem mímica e primitiva, por ele adquirida na longa viagem através do reino animal."
No item seguinte, “Pensamento contínuo”, André Luiz ("Evolução em Dois Mundos", cap. X) esclarece:
"Pela compreensão progressiva entre as criaturas, por intermédio da palavra, fundamenta-se no cérebro o pensamento contínuo e, por semelhante maravilha da alma, as ideias-fragmentos da crisálida de consciência, no reino animal, se transformam em conceitos e inquirições, traduzindo desejos e ideias de alentada substância íntima."
Quanto ao despertar do senso moral, ensina André Luiz ("Evolução em Dois Mundos", cap. X):
"Começando a fixar o pensamento em si mesmo [...] [o homem infraprimitivo] passa a exteriorizar, inconscientemente, as próprias ideias e, durante o sono comum, a desprender-se do carro denso de carne [...] para receber, junto do corpo adormecido, a visita dos Benfeitores Espirituais que o instruem sobre as questões morais. A vida moral começa a ocupar-lhe o crânio [...].
No ("Evolução em Dois Mundos", cap. XI), “Evolução morfológica e moral”, André Luiz complementa:
"A evolução prosseguiu [...]. O crânio avançou [...] os braços refinavam-se, as mãos adquiriam excelência táctil, os sentidos progrediam [...]. Assim, interpreta a importância de sua presença na Terra [...]. Incorporando a responsabilidade, pela consciência desperta, os princípios de ação e reação funcionam [...] assegurando-se a liberdade de escolha e impondo-lhe os resultados respectivos.
Dr. Carlos Eduardo Accioly Durgante
Dr. Paulo Rogério Dalla Colletta de Aguiar
(organ.)
Fonte: do livro "Psiquiatria Iluminada - As contribuições de André Luiz pela psicografia de Chico Xavier", 1ª Ed., 2021
Conversão para ebook: Cumbuca Studio
Associação Médico-Espírita do Brasil/AME-Brasil - São Paulo (SP)
www.amebrasil.org.br
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Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/evolu%c3%a7%c3%a3o-intelig%c3%aancia-artificial-3885331/
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