O Conhecimento Espírita transcende ao caráter puramente científico. Pela sua essência deságua numa estrutura de conhecimento filosófico que implica num redimensionamento da postura do sujeito com relação ao universo conhecido, objeto de suas reflexões.
Como forma de conhecimento o Espiritismo precisa acompanhar a posição da Ciência, e divide com ela fatias do seu objeto de pesquisa, já que na atualidade é tendência que o "elemento espiritual" possa fazer parte das conjecturas científicas, que deixam de ser estritamente "materiais".
Vale ressaltar que uma tendência à qual a Doutrina Espírita não está inclinada é a de estabelecer seus princípios como verdades incontestáveis. O Espiritismo, desde Kardec, reconhece seu caráter representativo e atualizável. É Kardec mesmo que propõe aos opositores do Espiritismo que expliquem melhor, isto é, com um modelo mais adequado o conjunto de fenômenos que o Espiritismo explica.
A estrutura da Doutrina Espírita é de origem humana e espiritual, já que é um conhecimento oriundo dos Espíritos, mas a sua representação, validação e sistematização são de caráter essencialmente humanos, confeccionados pelos homens. Por este mesmo motivo não está isenta de erros, inerentes à interpretação e representação das questões. A pedra de toque utilizada para a validação dos princípios, mais do que as ideias, são os fatos.
A postura espírita perante o Universo é bastante semelhante à postura das outras ciências: O Espiritismo, partindo de alguns pressupostos fundamentais, como a existência de Deus e da Alma, em observando fatos objetivos, compõe um modelo explicativo para o fenômeno e testa se o modelo é adequado aos fatos observados. Tal modelo é aceito até que a experimentação demonstre que ele está equivocado, então, outro modelo é proposto.
Enquanto ciência o Espiritismo interpreta um conjunto objetivo e restrito de fatos, para a partir das leis que estes demonstram, e que os homens interpretam, edificar um conjunto de conhecimentos filosóficos capazes de simbolizar o universo na ideia humana. Importante perceber que na elaboração da Filosofia Espírita entram não somente os dados da Ciência Espírita, mas de todo o conhecimento científico, daí o afirmar Kardec que a Ciência e o Espiritismo se completam. Com base nesta elaboração filosófica é que decorre, por uma necessidade de coerência entre teoria e prática, uma mudança de comportamento ético, decorrente da Filosofia Espírita. Para aquelas que se detém na ciência espírita, a mudança de comportamento é uma abstração carente de sentido pois somente o caráter filosófico do Espiritismo induz a uma nova postura ética. Daí o afirmar Kardec:
"Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom senso." 1
O aspecto religioso do Espiritismo ressalta dos seus pressupostos: Deus, existência da alma etc. E principalmente pelo caráter de revivescência da ética cristã, igualmente decorrente de sua filosofia. Além disso, a proposta de levar o homem a uma experiência existencial de auto-realização pelo progresso; pelo desenvolvimento dos potenciais intuitivos e pela comunhão e integração consigo, com o próximo e com Deus - que o Espiritismo propõem, caracterizam-no como uma religião transcendente aos ritos e dogmas.
O conhecimento espírita é um conhecimento de tríplice aspecto. Está fundamentado na Ciência, edifica-se na Filosofia e evidencia-se na prática. É a prática, coerente com a filosofia, o caráter fundamental da religião espírita. A religião espírita não se mostra no culto realizado no templo, mas como expressão de viver, como atividade prática, exercício de vida, na coerência entre saber e agir, um mecanismo profundo de sentir e experienciar a vida.
O não entendimento deste aspecto tríplice do Espiritismo tem levado alguns a posições extremadas e atitudes incoerentes com a essência da Doutrina Espírita. A tendência eminentemente religiosa ou a pura especulação filosófica ou ainda a fria pesquisa científica são aspectos isolados que não possuem a coerência que o Espiritismo lhes dá. A estrutura de conhecimento do Espiritismo é uma proposta de educação integral para personalidade humana.
Uma dimensão do conhecimento que não pode ser desprezada pelo Espiritismo é a Arte. Como mecanismo de conhecimento e vivência, a arte desperta realidades para a alma de maneira inexprimível em argumentos lógicos. Kardec preocupava-se com a questão. Encontramos em "Obras Póstumas" as seguintes afirmações a respeito do assunto:
"Assim como a arte cristã sucedeu à arte pagã, transformando-a, a arte espírita será o complemento e a transformação da arte cristã" 2
E complementa:
"Sem dúvida, o Espiritismo abre à arte um campo inteiramente novo, imenso e ainda inexplorado." 3
De fato, a opinião de Kardec vai até aí: esta profunda influência que o Espiritismo teria sobre a Arte. Sua opinião é de que a Filosofia Espírita erigiria uma Arte Espírita, mas como uma demonstração descritiva.
Entretanto, a simples preocupação com o caso, por parte do Codificador do Espiritismo, deixa-nos ainda mais à vontade para apontar a Arte como um dimensão extra para a Natureza do conhecimento espírita. Ciência, Filosofia, Religião e Arte seriam, pois, aspectos de percepção para tornar o Espírito educado para a realidade da vida.
A proposta de educação integral que o Espiritismo vem apresentar à humanidade pretende colocá-la no plano do desenvolvimento de todas as potencialidades para uma íntima integração do ser consigo, com o próximo e com Deus. Mas essa integração não é apenas de caráter racional; é também de conotação profundamente afetiva. 4
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB. 56a. ed. Rio de Janeiro. 1982. p. 484.
2 KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB. 22a. ed. Rio de Janeiro. 1987. p.158.
3 KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB. 22a. ed. Rio de Janeiro. 1987. p.158.
4 Em Setembro de 1993, tivemos a oportunidade de trocar ideias com um companheiro das lides espíritas, o Dr. André Luiz Peixinho, que, na ocasião, nos apresentou a Arte como um elemento adicional à natureza do conhecimento espírita. Na época, o confrade nos apresentou o modelo, que reproduzimos abaixo, sobre as percepções do homem.
O esquema nos mostra que tipo de percepção predomina em cada ramo do conhecimento. O modelo parece ser uma proposta de concepção holística, proveniente da teoria do hólon de Arthur Koestler. Mas não nos foi dado identificar, efetivamente, a fonte.
André Henrique Siqueira
Fonte do Texto e da Gravura: do livro "A Revolução do Espírito"
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