"Disse Jesus aos Seus discípulos: 'Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima. Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e que esse dia não caia sobre vós subitamente, como um laço; pois atingirá todos os que habitam a Terra inteira. Velai, pois, orando continuamente, a fim de terdes força para escapar a tudo o que vai acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do Homem.'"
Para além de tudo o mais, os evangelhos são grandes obras de arte, de fato, são supremas obras de arte espiritual. Como acontece com todas a artes, eles refletem o que os seres humanos como nós sentem e iluminam esses sentimentos com perspetivas transformadoras. Pressentimos que eles nos conhecem ainda antes de nós os lermos. Trazem ao campo da consciência aquilo que normalmente permanece nas terras de fronteira não verbal e do não imaginado. Se os escutarmos com sabedoria, tornam o invisível visível. Mas alcançam isto por meio da interação com a nossa interpretação. Não são mágicos nem nos tratam de forma infantil. Se apenas tomarmos as palavras e as imagens de maneira literal, perdemos a oportunidade de espreitar por trás da tela e, como Daniel, "observar as visões da noite". Usemos as próximas quatro semanas para encontrar estas forças da sabedoria a que chamamos os evangelhos, duma nova forma mais íntima.
Ao iniciarmos o Advento, um tempo reservado pela ancestral sabedoria litúrgica para nos preparar para uma verdadeira celebração do Natal, começamos por ser apresentados a uma série de profecias apocalípticas. Hoje em dia, acostumamo-nos ao que parecem ser mensagens de desgraça e de trevas relativamente às previsões da mudança climática, à corrupção financeira, às guerras e às tragédias sofridas pelas famílias refugiadas, cruelmente usadas como objetos pelos políticos ou pelos traficantes. Mas as palavras de Jesus no evangelho lido no Advento, a descrição do Dia do Juízo, continuam a ser arrepiantes. Muitos cristãos interpretam-nas mal, como se fossem previsões (que são diferentes de profecias), e tomam-nas de forma literal. Fazem-no mesmo apesar do fato de Jesus, falando como o culminar da linhagem de profetas bíblicos, se referir a coisas que acontecem em todas as eras. Vejam só as notícias de hoje.
Talvez a tendência para as tomar ao pé da letra revele o medo daquilo que elas realmente querem dizer. Elas ilustram o sentido de mortalidade de cada ser humano bem como o terror que emana dum mundo de constante mudança, sobre a qual temos muito pouco controle. É mais fácil convencermos a nós mesmos de que o mundo irá emular-se em chamas amanhã do que viver pacificamente com o fato de que qualquer um de nós poderá morrer antes de o dia de hoje terminar.
Porém, estas profecias não são sensacionalistas e não terminam com o instilar de medo. Em vez disso, há uma injunção a que estejamos despertos, alerta, a que rejeitemos a devassidão das distrações prejudiciais, descobrindo a realidade escondida, mas sempre presente, da oração contínua. Olhemos para dentro, não para o céu. Estejamos presentes para o presente que está presente, em vez de imaginarmos o amanhã.
O "Caminho" do Evangelho não é o de viver no medo e a tremer. É reconhecer quando somos manipulados pelo medo, a partir do nosso inconsciente ou a partir dos meios de comunicação, e escolher, em vez disso, o caminho da "libertação". O verdadeiro Fim é a libertação do medo do fim.
Deixem-me sugerir-vos, para cada semana do Advento, uma aptidão a aprender. Esta semana, poderia ser a de guardar o nosso coração e a nossa mente do medo e da sua descendência, de o denunciar e dançar livremente sobre ele.
Laurence Freeman, OSB
Fonte: Comunidade Mundial de Meditação Cristã - Portugal
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