Uma das causas mais frequentes da obscuridade aparente dos estudos de ciência oculta diz respeito à confusão dos termos empregados por aqueles que tratam dessas questões. É, então, indispensável bem definir primeiro as palavras que se empregam, sob pena de cairmos no erro que acabamos de indicar. Poucos termos prestam-se mais a confusão do que aquele de Iniciado. Uns consideram o Iniciado como o ser excepcional, designado com veneração por todos os autores do ocultismo; outros encaram o termo com uma significação bem menos elevada e que se pode aplicar de uma maneira geral.
Basta reportarmos-nos a significação primitiva dessa palavra para verificar que a última acepção é a mais correta. Com efeito, o titulo de Iniciado, na Antiguidade, indicava simplesmente um homem instruído, cujos graus de instrução variavam, segundo os casos, sem que o titulo geral de Iniciado sofresse a mínima modificação.
O Iniciado nos pequenos mistérios possuía uma instrução equivalente àquela dada em nossos dias pela universidade; o Iniciado nos grandes mistérios aprendia a manejar as grandes forças ocultas da natureza. Chegado ao ápice dessa instrução, ele adquiria o titulo de Vidente, de Profeta ou de Adepto. Assim, Iniciado ou Adepto são os dois termos que designam respectivamente o começo e o apogeu da carreira de ocultista. Todos os homens instruídos adquiriam, na Antiguidade, o titulo de Iniciados e os títulos de filho da mulher, filho da Terra, filho dos deuses, filho de Deus* designando sua elevação hierárquica na ordem dos conhecimentos humanos.
Sem querer nos aprofundar sobre o ensinamento que eles recebiam, falemos, entretanto, de um ponto muito importante. A doutrina ensinada era sobretudo sintética e a pesquisa da Unidade Universal lhes era indicada como o objetivo de seus esforços. De outro lado, os Iniciados aprendiam a adaptar o ensinamento aos temperamentos diversos dos povos que eles eram encarregados de organizar como legisladores. É por isso que vemos as leis de Orfeu, de Moisés, de Licurgo, de Solon, de Pitágoras serem tão diferentes em aparência, enquanto que todos esses homens adquiriram seus conhecimentos numa mesma fonte. A perda desses dados conduz nossos legisladores contemporâneos à ruína e à subjugação das nações que eles querem organizar, todas sobre a mesma base. O povo possuía, então, uma religião ou uma organização social, com relação absoluta ao seu próprio temperamento, e que era um excelente meio de torná-lo feliz; o homem instruído, ao contrário, sabia convictamente que não existia senão uma religião, e que todos os cultos eram adaptações, como as cores são aspectos diversos de uma única luz branca.
Assim, a guerra religiosa era quase totalmente desconhecida na Antiguidade, pois nenhum homem inteligente poderia sequer pensar em tal possibilidade; o povo, tão somente, seria capaz dessas infantilidades. A sociedade antiga aparece-nos, agora, com todo o esplendor de sua organização unitária e compreendemos porque o Iniciado podia entrar em todos os templos e sacrificar a todos os deuses, em comunhão com os sacerdotes de todos os cultos, que o reconheciam como um filósofo da unidade, assim como eles próprios. Os ignorantes sectários, que pretendem hoje em dia falar de religião, proclamam a esse respeito o politeísmo, sem compreender que os cristãos de hoje aparecem, ao pesquisador ingênuo, mais politeísta do que os membros de qualquer outra seita.
Imaginemos, com efeito, um homem instruído, mas ignorante de nossos costumes religiosos, que subitamente fosse convidado a fazer um estudo a esse respeito, não possuindo como dados senão monumentos. Veja se suas conclusões não seriam essas: “A religião desses povos curiosos parece consistir principalmente na adoração de um velho, de um supliciado e de uma pomba. Todos seus templos apresentam essas imagens. Eles adoram, além disso, vários deuses que se encontram sobre seus altares sob os nomes de São José, São Luís etc. Além disso, eles oferecem sacrifícios de flores recém desabrochadas a uma divindade que parece ser aquela da natureza e que eles chamam Maria. Encontram-se, também, várias imagens de animais sobre seus altares, um cachorro, ao lado de um deus inferior, São Roque, e, mesmo, um porco, acompanhando um outro deus, Santo Antônio. Existem, também, cervos, cordeiros etc. Eles parecem ter particularmente adorado esse animal, que seguidamente representam deitado sobre um livro.”
Essas conclusões nos fazem rir e balançar a cabeça. O que diria, com efeito, um Iniciado do mundo antigo, instrutor de Moisés ou de Pitágoras, acusado pelo sábio contemporâneo de adorar batatas ou crocodilos! O argumento do politeísmo e de idolatria não prova senão uma coisa: é a ignorância ou a má fé daqueles que o empregam.
O papel do Iniciado do mundo antigo era, antes de tudo, social. Os Iniciados formavam, no mundo inteiro, uma fraternidade de inteligência unida por uma doutrina unitária. É essa fraternidade que certas sociedades secretas têm como objetivo mais ou menos delineado de reconstituir. Mas esse objetivo e esses estudos não têm para nós senão um interesse secundário. A Antiguidade, por atraente que seja seu estudo, não incitaria tanto nossa atenção como nossa sociedade atual. É nela, que devemos ver agora o Iniciado.
Digamos, inicialmente, que é muito fácil ser um Iniciado. Basta, para isso, conhecer os dados mais elementares da ciência oculta e compreender, graças ela, a necessidade imperiosa de união fraternal de todos os homens. Esses dados podem ser obtidos pelo trabalho pessoal ou pelas sociedades de iniciação. Isto exige algumas palavras adicionais de explicação.
Se foi bem compreendida a diferença capital que atribuímos aos termos de Iniciado e de Adepto, é fácil deduzir que se pode, até certo ponto, formar Iniciados, mas não se formam Adeptos. Esses homens, cada vez mais raros, só chegam ao adeptado por suas próprias forças. O objetivo inicial de uma sociedade de iniciação é indicar a seus membros, da melhor maneira possível, o caminho do aperfeiçoamento espiritual, que deve ser realizado pelo esforço individual. A doutrina ensinada deve versar sobre a fraternidade, fonte de todos os desenvolvimentos posteriores do ser humano.
Na prática, a sociedade deve envidar todos os seus esforços para realizar, entre seus membros, o objetivo que ela persegue, para fazer de cada um deles um apóstolo militante e, após, um verdadeiro Iniciado. Dois grandes procedimentos são empregados para o ensino da iniciação; esses procedimentos, diferenciando particularmente as escolas de iniciação de fonte oriental daquelas de origem ocidental, indicam facilmente a origem de um centro oculto.
A iniciação oriental opera sobretudo pela mediação, isto é, o objetivo sendo de fazer criar, para cada indivíduo, sua doutrina sintética, sua maneira de ver o Universo e sua constituição. A iniciação oriental dá a seu discípulo um texto bastante curto e sintético sobre o qual ele deve meditar longas semanas, ou mesmo meses. O resultado dessa meditação é de livrar pouco a pouco os princípios analíticos contidos no texto e de criar uma doutrina fazendo-a, por assim dizer, sair de si mesma.
A iniciação ocidental procede de maneira diferente. Ela dá, inicialmente, a seu discípulo, uma serie de dados sobre a questão, a serem pesquisados e meditados longamente, impelindo-o a condensar todas as opiniões e ideias diversas num resumo sintético.
Das duas maneiras, chega-se ao mesmo resultado: a iniciação oriental ampliando um texto sintético e a iniciação ocidental condensando textos analíticos, obtendo uma síntese geral. Digamos, enfim, que certas sociedades praticam, ao mesmo tempo, esses dois procedimentos, escalonando-os gradualmente. De qualquer maneira, o primeiro ou o único objetivo procurado, é de levar o aluno a criar sua própria doutrina.
Pouco importa, inicialmente, que essa doutrina seja, em todos os detalhes, excelente ou não. O essencial é que ela exista. A Sociedade dando as bases gerais ao Iniciado evita erros fundamentais. O Iniciado tendo uma criação pessoal, modifica-a posteriormente, segundo seus estudos e sua evolução interior. Constata-se, dessa maneira, a inanidade dos ensinamentos dados pelas sociedades, que perderam totalmente essa base indispensável e que quiseram praticar a fraternidade universal sem criar, em primeiro lugar, homens capazes de compreender seu alcance. Tais sociedades não tardam a transformar-se num corpo político, tendendo à dissolução, desde que não retorne energicamente a seu objetivo primitivo, por uma rápida reorganização.
A utilidade social dos Iniciados é incontestável; basta imaginar a grandeza possível das gerações futuras se a unidade se realiza. Certas sociedades procuram agir sobre as massas para chegar a essa unidade, cuja necessidade pressentiram. As sociedades de iniciação, ao contrário, dirigem-se às inteligências menos numerosas, e mais capazes de compreender a nobreza da fraternidade universal.
O dia em que o padre católico, tornado Iniciado, souber receber em sua igreja, como um igual, o Iniciado ortodoxo, o Iniciado muçulmano e o Iniciado budista, a fraternidade dos povos estará bem mais perto de realizar-se na prática. Esse dia está, talvez, muito longe; quem sabe, ao contrário, ele se aproxima mais rapidamente do que pensamos. Seria temerário esperar essa união dos povos? É possível que esse ideal seja utópico, inatingível; entretanto, nesta época de positivismo exagerado, é consolador viver esse sonho da união dos Iniciados, realizando um pouco a união universal de todos os homens na paz e na harmonia.
* Saint-Yves D’Alveydre: “La Mission des Juifs”, Paris, ed. Traditionelles, 1972, vol. 2
Dr. Gérard Encausse (Papus)
Fonte: Extraído e traduzido da Revista L’Initiation, N. 4, 1973
Via: www.martinismocuraecaridade.blogspot.com/2021/02/o-que-e-um-iniciado.html
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/buda-rezar-meditar-budismo-1053130/
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