A cada momento, nossos pensamentos, medos, fantasias, esperanças, raivas e atrações, estão todos surgindo e desaparecendo. Nos identificamos, automaticamente, com esses estados, sejam eles passageiros ou, compulsivamente recorrentes, sem pensar no que pensamos. Quando o silêncio nos ensina o quão transitórios, e portanto pouco confiáveis, são na verdade esses estados, confrontamo-nos com o terrível questionamento de quem somos nós. No silêncio precisamos lutar com a terrível possibilidade de nossa própria irrealidade.
O pensamento budista faz dessa experiência, denominada anatman ou, o “não eu”, um dos principais pilares de sabedoria em seu caminho de libertação do sofrimento e, um de seus meios de iluminação essenciais. Incentiva-se o praticante budista a buscar essa experiência da transitoriedade interior e, em vez de fugir dela, mergulhar nela de cabeça, assim como fizeram, Meister Eckhart e os grandes místicos cristãos.
É compreensível que anatman seja a ideia budista que representa o maior problema para outros. Tão absurdo, tão terrível, tão sacrílego dizer que eu não existo. De fato, muito do antagonismo cristão ao anatman é infundado ou, fundamentado em interpretação errônea. Não quer dizer que não existimos, mas, que não existimos em autônoma independência, que é o tipo de existência que o ego gosta de imaginar ter; o tipo de fantasia de ser Deus com a qual Eva foi tentada pela serpente. Trata-se da arrogância que frequentemente vitima as pessoas religiosas.
Não existo independentemente, pois Deus é o fundamento de meu ser. À luz desse entendimento, lemos as palavras de Jesus no Novo Testamento, com percepção aprofundada: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me..., mas, o que perder a sua vida por causa de mim, a salvará” (Lc 9, 23-24). Caso possamos abraçar essa verdade do anatman através do silêncio, faremos importantes descobertas acerca da natureza da consciência. Descobriremos que a consciência, a alma, é mais do que o surpreendente sistema do cérebro que computa, calcula e julga. Somos mais do que aquilo que pensamos. A meditação não é aquilo que pensamos.
Dom Laurence Freeman, OSB
Fonte: Leitura de Domingo, 30 Julho 2017
Laurence Freeman OSB para o THE TABLET de 10 de Maio de 1997.
http://www.wccm.com.br/leitura-laurence-freeman-osb/616-o-silencio-da-alma-170730
Fonte da Gravura: Grev Kafi (the pseudonym of two symbolist painters, Evdokia Fidel'skaya and Grigoriy Kabachnyi, a married couple, that work in co-authorship)
http://www.grevkafi.org
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