terça-feira, 17 de maio de 2022

O EU AUTOCENTRADO


A mente está sempre querendo alimentar-se para pensar. Ela procura alimento para sua própria identidade, para seu sentido de ser. É assim que o ego se cria e se recria continuamente.

Quem percebe isso? Quem compreende que sua forma física e psicológica é passageira? É o EU SOU; que não tem nada a ver com o passado e o futuro.

O que restará de todos os medos e desejos associados aos problemas de sua vida e que diariamente exigem o máximo de sua atenção? Restará apenas seu nome gravado na lápide de sua sepultura e as datas ligando seu nascimento à sua morte.

Para o eu autocentrado, para o ego, esse é um pensamento deprimente. Para o que você é essencialmente, é libertador.

Quando cada pensamento absorve toda a sua atenção, isso mostra que você se identifica com a voz que está dentro da sua cabeça. O pensamento se confunde então com o sentido do eu. Esse é o eu criado pela mente, o que chamamos de ego. Esse ego construído pela mente se sente totalmente INCOMPLETO e PRECÁRIO. Por isso o medo e o desejo são as emoções e forças dominantes e motivadoras desse ego.

Quando você se dá conta de que existe uma voz na sua cabeça que pretende ser você e não para de falar, percebe que, de forma inconsciente, você vem se identificando com a corrente do pensamento. Quando percebe a existência dessa voz, você compreende que NÃO É ESSA VOZ, mas a pessoa que a PERCEBE. Ter LIBERDADE é saber que você é a CONSCIÊNCIA por trás dessa voz.

O ego está sempre buscando. Busca sem cessar isso ou aquilo para se sentir mais completo. Isso explica por que ele se preocupa compulsivamente como futuro. Ao concentrar toda a atenção no momento presente, uma INTELIGÊNCIA muito SUPERIOR à mente autocentrada entra em sua vida.

Ao viver através do ego, você faz do momento presente apenas um meio para atingir um fim. Você vive em função do futuro, mas, quando atinge seus objetivos, eles não o satisfazem ou não o satisfazem por muito tempo.

Quase todo ego tem um pouco do que poderíamos chamar de identidade da vítima. Muitas pessoas se vêem de tal forma como vítimas que essa imagem se torna ponto central de seu ego. O ressentimento e a mágoa passam a ocupar uma parte essencial da visão que essas pessoas têm de si mesmas. Mesmo que suas mágoas sejam muito justas, ao assumir a identidade de vítima, você cria uma prisão cujas grades são feitas de formas de pensar. Veja o que está fazendo com você mesmo, ou melhor: o que a sua mente está fazendo com você. Sinta a ligação emocional que você tem com sua história de vítima e perceba sua compulsão de pensar ou falar a respeito. Testemunhe o seu estado interior. Você não precisa fazer mais nada além disso. Ao PERCEBER isso, a TRANSFORMAÇÃO e a LIBERDADE virão.

Reclamar e reagir são as formas preferidas da mente para fortalecer o ego. Para muitas pessoas, grande parte da atividade mental e emocional consiste em reclamar e reagir contra isso ou aquilo. Procuram fazer com que os outros ou as coisas estejam errados e só elas estejam certas. Estando certas, elas se sentem superiores e, assim, fortalecem seu ego. No entanto, estão apenas fortalecendo a ILUSÃO do ego. Pare um pouco e pense: você tem esses padrões de comportamento? Consegue perceber a voz em sua mente que está sempre reclamando e apontando os outros como culpados? O eu autocentrado precisa do conflito para fortalecer sua identidade. Ao lutar contra algo ou alguém, ele demonstra para si mesmo que isto sou eu e aquilo não sou eu.

É comum que países, tribos e religiões procurem fortalecer sua SENSAÇÃO de identidade coletiva colocando-se em oposição aos seus inimigos. Quem seriam os crentes se não existissem os que não creem?

Ao se relacionar com pessoas, você é capaz de perceber em si mesmo sentimentos sutis de superioridade e de inferioridade em relação a elas? Quando isso acontece, é o ego que está se manifestando, porque ele precisa da comparação para se afirmar. A identidade do ego depende da comparação e se alimenta do mais. Ele se agarra a qualquer coisa. Quando nada disso funciona, as pessoas procuram fortalecer seu ego considerando-se mais injustamente tratadas pela vida, mais doentes ou mais infelizes do que os outros. Quais são as histórias que você cria para encontrar sua própria identidade?

O eu autocentrado tem também necessidade de se opor, resistir e excluir para manter a ideia de separação da qual depende sua sobrevivência. Assim, ele coloca o eu contra os outros e nós contra eles. O ego precisa estar em conflito com alguém ou alguma coisa. Isso explica por que, apesar de você querer paz e amor, não consegue suportar a paz, a alegria e o amor por muito tempo. Você diz que quer ser feliz, mas está viciado em ser infeliz.

A culpa é outra forma que o ego tem para criar uma identidade. Para o ego não importa que essa identidade seja negativa ou positiva. O que você fez ou deixou de fazer foi uma manifestação de inconsciência, que é natural da condição humana. Se você estivesse mais ALERTA, mais CONSCIENTE, teria agido de outra maneira.

Se você estabelece objetivos autocentrados na sua busca de libertação e de autovalorização, mesmo que os atinja eles não irão satisfazê-lo.

Disse o mestre, quando lhe pediram para explicar o sentido mais profundo do budismo: "Sem o ego, não há problema".



Eckhart Tolle




Fonte: do livro "O Poder do Silêncio", cap. 3, Ed. Sextante
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/cachoeira-agua-fluxo-sil%c3%aancio-5138793/

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