Não creio que seja exagero dizermos que o pecado original seja a consciência de si mesmo, a hiper-auto-consciência do egoísmo, pois a consciência de si mesmo dá origem à consciência dividida. Isto se parece a um espelho entre Deus e nós mesmos. Sempre que olhamos para o espelho, nos vemos. O propósito da meditação é o de quebrar esse espelho, para que não mais olhemos para os reflexos das coisas e, consequentemente vejamos as coisas às avessas, inclusive nós mesmos. A essência da meditação é a de tomarmos de assalto o reino dos céus. O espelho precisa ser quebrado. E, quando Jesus nos diz que ninguém pode ser seu seguidor a menos que deixe para trás a si mesmo, ele está falando acerca da superação da consciência de si mesmo.
Ora, de fato, não se faz necessária muita experiência de vida, para que percebamos que essa consciência de si mesmo nos ilude a ponto de entendermos que todo o universo gira ao nosso redor; ou, para concluirmos que essa consciência de si mesmo é um pavoroso estado de ser. Talvez seja isso o que leva a maioria de nós à meditação. Não queremos passar o resto de nossas vidas olhando para esse espelho e enxergando tudo às avessas. Queremos olhar, com coragem, para o infinito mistério de Deus. Porém, quando começamos a sentir essa primeira perda da consciência do si mesmo e, quando começamos a adentrar o profundo silêncio que é a meditação, podemos vir a nos sentir perturbados e assustados. Nesse ponto, precisamos do apoio de nossos irmãos e irmãs. É por isso que nossos encontros regulares são tão importantes. Precisamos compreender que a fé é um dom, que nos é dado, como nos diz São Paulo, em abundância, caso apenas estejamos abertos a ele e, continuemos a martelar esse espelho, até que ele se despedace inteiramente. Com nosso mantra, nós o "martelamos suavemente".
Não há nada de passivo acerca da meditação. Trata-se de um estado de crescente e mais profunda abertura para a fonte do poder de toda a realidade, que só podemos descrever em palavras adequadamente como Deus-que-é-amor. A meta de nossa vida e, o convite de nossa vida, não é nada menos do que a união completa, a ressonância completa com aquela fonte de poder. Quais são os frutos da não-consciência-de-si-mesmo? Felicidade, paz, controle-de-si, paciência, fidelidade, todas aquelas coisas de que nos fala São Paulo como sendo os frutos do espírito. Esse é o estado de ser, no qual estamos livres para sermos nós mesmos, livres para receber o dom de nossa vida sem medo, em estado de graça, de amor.
Dom John Main, OSB
Fonte: MOMENTO DE CRISTO (São Paulo, Paulus, 2004).
Via Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
http://www.wccm.com.br/leitura-john-main-osb/838-quebrando-o-espelho-190922
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/china-est%C3%A1tuas-de-buda-religi%C3%A3o-1177009/
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